Thursday, August 19, 2010

Estas crianças somos nós

Yehudah Atlas, escritor israelense:
Estas crianças somos nós.

Carta aberta ao Primeiro Ministro.

Ilmo. Senhor Primeiro Ministro:
O momento se aproxima cada vez mais. Em algumas semanas, ou menos, irão se reunir equipes de televisão e jornalismo de todo o mundo para fotografar, registrar e exibir para muitas platéias ao redor do mundo como Israel expulsa crianças aqui nascidas, com suas famílias, apenas porque lhes faltavam um ou dois anos, ou alguns meses, para preencher os ‘critérios’ decididos por seu governo. O exílio dessas crianças – e se trata com certeza de exílio – sem sombra de dúvida – será visto nos quatro cantos da Terra e ficará marcado na memória coletiva como uma crueldade, um gesto desumano e uma torpeza sem igual de um povo e de um governo que nada aprenderam com sua própria história. Pessoas de todas as cores, algumas de olhos amendoados, outras de cabelo encrespado, algumas cristãs, outras muçulmanas, mas todas elas seres humanos, abraçarão seus filhos em pranto, e serão empurradas, talvez com a ajuda dos relhos da famosa Unidade ‘Oz’, para o interior dos aviões. Algumas levarão, por falta de alternativa, os mil dólares da indenização – na verdade um ‘cala a boca’ por sua ‘concordância’ em deixar o país que seus filhos vêm como sua pátria.
Erich Kastner, num de seus livros, escreveu que as lágrimas de uma criança não são menores que as de um adulto. Lágrimas de adultos é possível esquecer. Lágrimas de crianças são inesquecíveis, e não serão perdoadas jamais. Elas chamuscam a alma, e quem as provocou será para sempre lembrado como um homem mau, cruel, como alguém que não se apieda de crianças pequenas. E você será esse homem. Como Primeiro Ministro, a responsabilidade recairá sobre você.
De fato, depois de ‘Chumbo Fundido’ e da ‘Flotilha’, e todos os outros acontecimentos e circunstâncias que nos tornaram afamados no mundo, este outro episódio será mais um reforço à excelente campanha de relações públicas ultimamente realizada para a glória do Estado de Israel.
Mas não estou, agora, interessado em relações públicas, e sim em relações humanas. Os pais dessas crianças não entraram em Israel como clandestinos, ou aqui chegaram graças a empresas de recursos humanos, para roubar nossas riquezas e aqui viver como reis. Eles vieram para cá fugindo da miséria, vieram para ganhar a vida. E ganhá-la modestamente. Pergunte a seus assistentes, com seus salários de várias dezenas de milhares de shekels mensaid, quanto ganha o lavador de pratos num restaurante, o faxineiro, ou aquele que cuida de pessoas incapacitadas. Eles de modo algum ‘chuparam o nosso tutano’. Não vieram atrás de diamantes, ou de petróleo. Eles não vieram aqui ‘passear’, como os descreveu o seu Ministro do Interior (Eli Yishái). Vieram trabalhar e nos servir com fidelidade e por uma remuneração modesta, e por esse motivo merecem de nós um agradecimento, não a expulsão. Eles limparam nossas casas e cuidaram de nossos doentes crônicos, dos quais nós não nos dispusemos a cuidar. Fizeram aqui todos os trabalhos ‘sujos’, difíceis, desagradáveis, em que nós, os mimados, não queríamos sujar nossas mãos.
Mas na verdade eles também viveram aqui. Amontoaram-se em vizinhanças pobres. Rezaram para os seus deuses. Enviaram dinheiro para suas famílias. Alguns encontraram com quem se relacionar, alguns amaram, alguns tiveram filhos. Não há lei no mundo que impeça as pessoas de amar, e de trazer ao mundo o fruto de seu amor.
Gostaria de sugerir a você que deixe seus afazeres por algumas horas e venha visitar a escola Bialik-Rogozhin em Tel Aviv. Você verá ali essas crianças, e não conseguirá acreditar no que vê. Se ainda restam neste país alguns lugares que lembram o ‘lindo Israel’ de antigamente, este é um dos mais emocionantes e maravilhosos. Nessa escola estudam uns oitocentos alunos, em sua maioria filhos e filhas desses trabalhadores imigrantes e de refugiados vindos de uns cinquenta países, e freqüentam desde a educação infantil obrigatória até a décima segunda série. Uma equipe maravilhosamente devotada de professores e outros funcionários transformou essa escola num pedaço do paraíso para essas crianças. A equipe está à sua disposição 24 horas por dias. Eles recebem ali três refeições diárias. Estudam. Cantam músicas hebraicas e as canções das nossas festas. Em Purim eles fazem um colorido desfile pelo bairro. Têm à sua disposição uma biblioteca incrível em hebraico, como não há em nenhuma outra escola. E eles lêem! Eles falam, cantam e dançam em hebraico. Escrevem poesias em hebraico. Os alunos da décima segunda série estudam para o Exame de Madureza (exame de conclusão dos estudos obrigatórios, em Israel), e seu índice de aprovação é de 70%! Eles querem prestar o serviço militar, e preferem justamente servir nas unidades de combate. E não, definitivamente não por acaso, a escola fica na esquina das ruas ‘haAliyáh’ (a imigração a Israel) e ‘Molédet’ (Nossa Pátria).
Nessa escola funciona um comitê de voluntários, presidido pela Sra. Rina Zamír. Uma estrutura de mais de cem voluntários protege como um guarda chuva essas crianças e seus pais, e os ajuda em tudo, nos estudos, em sua defesa, com recursos de todos os tipos. Os voluntários provêm de um amplo espectro de ocupações e instituições: da indústria, dos escritórios de tecnologia avançada, da Academia, da Justiça, de lugares como a Organização pelos Direitos Humanos, de instituições de ensino como o Seminário dos Kibutzím, do Centro de Auxílio a Cidadãos Estrangeiros, dos ‘Médicos pelos Direitos Humanos’, e de outros mais. Entre esses voluntários há pessoas que fizeram contribuições decisivas ao País em diversos campos.
Qualquer pessoa que visita essa escola apaixona-se por ela imediatamente. Apaixona-se pelos alunos e por seus professores, e torna-se voluntário/a na mesma hora. Esse é um amor ao Bem, à Generosidade, ao Ser Humano. O múltiplo colorido e a profusão de semblantes, de tipos de cabelo e de matizes epidérmicos criam uma sinfonia festiva universal magnífica, uma Festa da Família Humana, que demonstra a possibilidade de vivermos todos, apesar das muitas diferenças, juntos em paz e afeição. Visitei essa escola muitas vezes, e a cada vez senti novamente que qualquer um de seus alunos poderia ser – e de fato é – eu mesmo.
Devido às decisões de seu governo uns cem de seus alunos estão ameaçados de expulsão, além de cerca de outros trezentos que estudam em outros lugares. Quatrocentas famílias vivem à sombra do medo e da incerteza, da ruptura e da separação, devido à expulsão. Trata-se de pais que aqui derramaram seu suor para nos servir, e de crianças que sentem este país como o deles, e o hebraico como sua língua. Crianças que adoram as flores que aqui crescem, que são loucas por falafel e por humos e por tahine, crianças que jogam queimado (mahanáyim) e brincam de pegar (tofésset), crianças que cantam ‘Hava Naguíla’ e ‘Lo Shárti Lach Artzí’ (‘Não Cantei para Ti, minha Terra’).
Oitocentas crianças, que preencherão os ‘critérios’, ficarão. Quatrocentas, que não preencherão, serão arrancadas daqui de modo cruel. Como explicar a uma criança por que seu amigo ficou e ela teve que ir? Como você suportará as suas lágrimas? O que, afinal, perderá o Estado de Israel se ele superar o impulso de expulsar que o atacou e permitir que todas as crianças e suas famílias fiquem aqui? Está claro para todos nós que eles não representam nenhuma ameaça demográfica ao país. A verdadeira ameaça demográfica é o aumento da crueldade, o estranhamento e a maldade entre nós, e a indiferença pelo destino alheio.
Diante da enxurrada de imigrantes ao país e da dificuldade em selar nossas longas fronteiras, são realmente necessárias leis e regulamentos e critérios. Mas que sua vigência se volte para o futuro. As crianças que já estão aqui conosco, as criaturas que em nada pecaram, a essas temos que deixar aqui. A gratidão das crianças e das famílias que permanecerem só fará bem ao Estado de Israel. Assim como Ben Gurion ansiava por um Chefe do Exército yemenita (isto é, descendente de judeus vindos do Yémen), nada impede que um dia tenhamos um Primeiro Ministro que descende dessas crianças que aqui ficarem.
Os tubarões das empresas de mão de obra, e disto você bem sabe, já enriqueceram o bastante com a importação de trabalhadores. Seu único interesse agora é a reciclagem – que venham novos trabalhadores, para que eles lucrem ainda mais. Corte as quotas de novos ‘importados’ e dê um status legal aos que aqui já estão. Inclusive àqueles que, pelos ‘critérios’, são ‘residentes ilegais’. Eles não se infiltraram no país para lucrar, vieram porque estavam na miséria. Não são pessoas mal intencionadas. São apenas gente que tentou – e tenta – sobreviver num mundo difícil e cruel. Mesmo que tenham transgredido a lei, seus filhos em nada pecaram. Não é aceitável, não é humano, que justo o povo judeu, um povo de imigrantes, os expulse de dentro de si de modo tão insensível. Judeus não expulsam crianças.
As muitas vozes de pessoas com consciência, que a cada dia aumentam mais em todos os segmentos da população, pedem a você e ao seu governo que revele humanidade e compaixão e deixe que fiquem no País TODAS essas crianças. Essas pessoas todas não o perdoarão, nem a você nem ao seu governo, se as crianças forem expulsas. O mundo também não perdoará. E você tampouco vai conseguir perdoar a si próprio.
Por favor, deixe todas as crianças ficarem!
Seu,
Yehudáh Atlas.
Tel Aviv, 13/08/201

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